"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.
Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A
gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
1920
- Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro,
tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector.
Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à
América.
1922
- Seu pai consegue, em Bucareste, um passaporte para toda a família no consulado da
Rússia. Era fevereiro quando foram para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no
navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em março desse ano,
sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que
viabilizara a entrada da biografada e de sua família no Brasil mediante uma "carta
de chamada". Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania — irmã,
todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã,
Elisa; e Haia, em Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero
comerciante.
1925
- A família muda-se para Recife, Pernambuco, onde Pedro pretende construir uma nova
vida. A doença de sua mãe, Marieta, que ficou paralítica, faz com que sua irmã Elisa
se dedique a cuidar de todos e da casa.
1928
- Passa a freqüentar o Grupo Escolar João Barbalho, naquela cidade, onde aprende a
ler. Durante sua infância a família passou por sérias crises financeiras.
1930
- Morre a mãe de Clarice no dia 21 de setembro. Nessa época, com nove anos,
matricula-se no Collegio Hebreo-Idisch-Brasileiro, onde termina o terceiro ano primário.
Estuda piano, hebraico e iídiche. Uma ida ao teatro a inspira e ela escreve "Pobre
menina rica", peça em três atos, cujos originais foram perdidos. Seu pai resolve adotar a nacionalidade brasileira.
1931
- Inscreve-se para o exame de admissão no Ginásio Pernambucano. Já escrevia
suas historinhas, todas recusadas pelo Diário de Pernambuco, que àquela época
dedicava uma página às composições infantis. Isso se devia ao fato de que, ao contrário das outras crianças, as histórias de Clarice não
tinham enredo e fatos — apenas sensações. Convive com inúmeros primos e primas.
1932
- É aprovada no exame de admissão e, junto com sua irmã Tania e sua prima Bertha,
ingressa no tradicional Ginásio Pernambucano, fundado em 1825. Passa a visitar a livraria
do pai de uma amiga. Lê "Reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato,
que pegou emprestado, já que não podia comprá-lo.
1933
- Seu pai prospera e mudam-se para casa própria, no mesmo bairro.
1934
- Pedro, pai de Clarice, em Dezembro desse ano, decide transferir-se para a
cidade do Rio de Janeiro.
1935
- Viaja para o Rio, em companhia de sua irmã Tania e de seu pai, na terceira classe
do vapor inglês "Highland Monarch". Vão morar numa casa alugada perto do Campo
de São Cristóvão. Ainda nesse ano, mudam-se para uma casa na Tijuca, na rua Mariz e
Barros. No colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa, cursa o quarta série
ginasial. Lê romances adocicados, próprios para sua idade.
1936
- Termina o curso ginasial. Inicia-se na leitura de livros de autores nacionais e
estrangeiros mais conhecidos, alugados em uma biblioteca de seu bairro. Conhece os
trabalhos de Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge
Amado, Dostoiévski e Júlio Diniz.
1937
- Matricula-se no curso complementar (dois últimos anos do curso secundário) visando
o ingresso na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
1938
- Transfere-se para o curso complementar do colégio Andrews, na praia de Botafogo. Às
voltas com dificuldades financeiras, dá aulas particulares de português e
matemática. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em
toda a sua obra — desde o primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. Ao
mesmo tempo, aprende datilografia e faz inglês na Cultura Inglesa.
1939
- Inicia seus estudos na Faculdade Nacional de Direito. Faz traduções de textos
científicos para revistas em um laboratório onde trabalha como secretária. Trabalha,
também como secretária, em um escritório de advocacia.
1940
- Seu conto, Triunfo, é publicado em 25 de maio no semanário "Pan",
de Tasso da Silveira. Em outubro desse ano, é publicado na revista "Vamos
Ler!", editada por Raymundo Magalhães Júnior, o conto Eu e Jimmy. Esses
trabalhos não fazem parte de nenhuma de suas coletâneas. Após a morte de seu pai, no
dia 26 de agosto, a escritora — talvez motivada por esse acontecimento — escreve
diversos contos: A fuga, História interrompida e O delírio. Esses
contos serão publicados postumamente em A bela e a fera, de 1979. Passa a morar
com a irmã Tania, já casada, no bairro do Catete. Consegue um emprego de tradutora no
temido Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, dirigido por Lourival Fontes. Como
não havia vaga para esse trabalho, Clarice ganha o lugar de redatora e repórter
da Agência Nacional. Inicia-se, ai, sua carreira de jornalista. No novo emprego, convive
com Antonio Callado, Francisco de Assis Barbosa, José Condé e, também, com Lúcio
Cardoso, por quem nutre durante tempos uma paixão não correspondida: o escritor era
homossexual. Com seu primeiro salário, entra numa livraria e compra "Bliss -
Felicidade", de Katherine Mansfield, com tradução de Erico Verissimo, pois sentiu
afinidade com a escritora neozelandesa.
1941
- Em 19 de janeiro, publica a reportagem "Onde se ensinará a ser feliz", no
jornal "Diário do Povo", de Campinas (SP), sobra a inauguração de um lar para
meninas carentes realizada pela primeira-dama Darcy Vargas. Além de textos
jornalísticos, continua a publicar textos literários. Cursando o terceiro ano de
direito, colabora com a revista dos estudantes de sua faculdade, "A Época", com
os artigos Observações sobre o fundamento do direito de punir e Deve a mulher
trabalhar? Passa a freqüentar o bar "Recreio", na Cinelândia, centro do
Rio de Janeiro, ponto de encontro de autores como Lúcio Cardoso, Vinicius de Moraes,
Rachel de Queiroz, Otávio de Faria, e muitos mais.
1942
- Começa a namorar com Maury Gurgel Valente, seu colega de faculdade. Com 22 anos de
idade, recebe seu primeiro registro profissional, como redatora do jornal "A
Noite". Lê Drummond, Cecília Meireles, Fernando Pessoa e Manuel Bandeira. Realiza
cursos de antropologia brasileira e psicologia, na Casa do Estudante do Brasil. Nesse ano,
escreve seu primeiro romance, Perto do coração selvagem.
1943
- Casa-se com o colega de faculdade Maury Gurgel Valente e termina o curso de Direito.
Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática.
1944
- Muda-se para Belém do Pará (PA), acompanhando seu marido. Fica por lá apenas seis
meses. Seu livro recebe críticas favoráveis de Guilherme Figueiredo, Breno Accioly,
Dinah Silveira de Queiroz, Lauro Escorel, Lúcio Cardoso, Antonio Cândido e Ledo Ivo,
entre outros. Álvaro Lins publica resenha com reparos ao livro mesmo antes de sua
publicação, baseado na leitura dos originais. Qualifica o livro de "experiência
incompleta". Há os que pretendem não compreender o romance, os que procuram
influências — de Virgínia Wolf e James Joyce, quando ela nem os tinha lido — e
ainda os que invocam o temperamento feminino. Nas palavras de Lauro Escorel, as
características do romance revelam uma "personalidade de romancista
verdadeiramente excepcional, pelos seus recursos técnicos e pela força da sua natureza
inteligente e sensível." O casal volta ao Rio e, em 13/07/44, muda-se para
Nápoles, em plena Segunda Guerra Mundial, onde o marido da escritora vai trabalhar. Já
na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o
marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês
de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade
nem mesmo sei viajar." Termina seu segundo romance, O lustre. Recebe o
prêmio Graça Aranha com Perto do coração selvagem, considerado o melhor romance
de 1943. Conhece Rubem Braga, então correspondente de guerra do jornal "Diário
Carioca".
1945
- Dá assistência a brasileiros feridos na guerra, trabalhando em hospital americano.
O pintor italiano Giorgio De Chirico pinta-lhe um retrato. Viaja pela Europa e conhece o
poeta Giuseppe Ungaretti. O lustre é publicado no Brasil pela Livraria Agir
Editora.
1946
- Após o lançamento do livro, Clarice vem ao Brasil como correio diplomático
do Ministério das Relações Exteriores, aqui ficando por quase três meses. Nessa
época, apresentado por Rubem Braga, conhece Fernando Sabino que a introduz a Otto Lara
Resende, Paulo Mendes Campos e, posteriormente, a Hélio Pellegrino. De volta à Europa,
vai morar com a família em Berna, Suíça, para onde seu marido havia sido designado como
segundo-secretário. Sua correspondência com amigos brasileiros a mantinha a par das
novidades, em especial as trocadas com Fernando Sabino. A troca de cartas com o escritor,
quase que diariamente, duraria até janeiro de 1969. A convite, passam as festas de fim de
ano com Bluma e Samuel Wainer, em Paris.
1947
- Em carta às irmãs, em janeiro de 47, de Paris, Clarice expõe seu estado de
inadaptação:"Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho
sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que
não é a irmã de vocês. É qualquer uma." Em carta a Lúcio Cardoso, que
havia lhe enviado seu livro "Anfiteatro", demonstra sua admiração pelas
personagens femininas da obra.
1948
- Clarice fica grávida de seu primeiro filho. Para ela, a vida em Berna é de
miséria existencial. A Cidade Sitiada, após três anos de trabalho, fica pronto.
Terminado o último capítulo, dá à luz. Nasce então um complemento ao método de
trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar do filho. Na crônica "Lembrança
de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirma que, em Berna, sua vida foi
salva por causa do nascimento do filho Pedro, ocorrido em 10/09/1948, e por ter escrito um
dos livros "menos gostados" (a editora Agir recusara a publicação).
1949
- Clarice volta ao Rio. Seu marido é removido para a Secretaria de Estado, no Rio de
Janeiro. A cidade sitiada é publicado pela editora "A Noite". O livro
não obtém grande repercussão entre o público e a crítica.
1950
- Escrevendo contos e convivendo com os amigos (Sabino, Otto, Lúcio e Paulo M.
Campos), vê chegar a hora de partir: seguindo os passos de seu marido, retorna à Europa,
onde mora por seis meses na cidade de Torquay, Inglaterra.
Sofre um aborto espontâneo em Londres. É atendida pelo vice-cônsul na capital inglesa,
João Cabral de Melo Neto.
1951
- A escritora retorna ao Rio de Janeiro, em março. Publica uma seleta com seis contos
na coleção "Cadernos de cultura", editada pelo Ministério da Educação e
Saúde. Falece sua grande amiga Bluma, ex-esposa de Samuel Wainer.
1952
- Cola grau na faculdade de direito, depois de muitos adiamentos. Volta a trabalhar em
jornais, no período de maio a outubro, assinando a página "Entre Mulheres", no
jornal "Comício", sob o pseudônimo de "Tereza Quadros". Atendeu a um
pedido do amigo Rubem Braga, um dos fundadores do jornal. Nesse setembro, já grávida,
embarca para a capital americana onde permanecerá por oito anos. Clarice inicia o
esboço do romance A veia no pulso, que viria a ser A Maçã no Escuro,
livro publicado em 1961.
1953
- Em 10 de fevereiro, nasce Paulo, seu segundo filho. Ela continua a escrever A
Maçã no Escuro, em meio a conflitos domésticos e interiores. Mãe, Clarice
Lispector divide seu tempo entre os filhos, A Maçã no Escuro, os contos de Laços
de Família e a literatura infantil. Nos Estados Unidos, Clarice conhece o
renomado escritor Erico Veríssimo e sua esposa Mafalda, dos quais torna-se grande
amiga. O escritor gaúcho e sua esposa são escolhidos para padrinhos de Paulo. Não
tem sucesso seu projeto de escrever uma crônica semanal para a revista
"Manchete". Tem a agradável notícia de que seu romance Perto do coração
selvagem seria traduzido para o francês.
1954
- É lançada a primeira edição francesa de Perto do coração selvagem, pela
Editora Plon, com capa de Henri Matisse, após inúmeras reclamações da escritora sobre
erros na tradução. Em julho, com os filhos, viaja para o Brasil, aqui ficando até
setembro. De volta aos Estados Unidos, interrompe a elaboração de A maçã no escuro e
se dedica, por cinco meses, a escrever seis contos encomendados por Simeão Leal.
1955
- Retorna a escrever o novo romance e contos. Sabino, que leu os seis contos feitos
sob encomenda, os acho "obras de arte".
1956
- Termina de escrever A Maçã no Escuro (até então com o titulo de A veia
no pulso). Érico Veríssimo e família retornam ao Brasil, não sem antes
aceitarem serem os padrinhos de Pedro e Paulo. Entre os escritores, inicia-se uma vasta
correspondência. A escritora e filhos vêm passar as férias no Brasil e Clarice
aproveita para tentar a publicação de seu novo romance e os novos contos. Apesar de todo
o empenho de Fernando Sabino e Rubem Braga, os livros não são editados. A escritora dá
sinais de sua indisposição para com o tipo de vida que leva.
1957
- Rompe unilateralmente o contrato com Simeão Leal e autoriza Sabino e Braga a
encaminharem seus contos — nessa altura em número de quinze — para serem
publicados no "Suplemento Cultural" do jornal "O Estado de São
Paulo". Seu casamento vive momentos de tensão.
1958
- Conhece e se torna amiga da pintora Maria Bonomi. É convidada a colaborar com a
revista "Senhor", prevista para ser lançada no início do ano seguinte. Erico
Verissimo escreve informando estar autorizado a editar seu romance e, também, seus contos
pela Editora Globo, de Porto Alegre. 1.000 exemplares — dos mais de 1.700
remanescentes — de "Près du coeur sauvage" são incinerados, por falta de
espaço de armazenamento. O casamento de Clarice dá sinais de seu final.
1959
- Separa-se do marido e, em julho, regressa ao Brasil com seus filhos. Seu livro
continua inédito. A escritora resolve comprar o apartamento onde está residindo, no
bairro do Leme, e, para isso, busca aumentar seus ganhos. Sob o pseudônimo de "Helen
Palmer", inicia, em agosto, uma coluna no jornal "Correio da Manhã",
intitulada "Correio feminino — Feira de utilidades".
1960
- Publica, finalmente, Laços de Família, seu primeiro livro de contos, pela
editora Francisco Alves. Começa a assinar a coluna "Só para Mulheres",
como "ghost-writer" da atriz Ilka Soares, no "Diário da Noite", a
convite do jornalista Alberto Dines. Assina, com a Francisco Alves, novo contrato para a
publicação de A maçã no escuro. Torna-se amiga da escritora Nélida Piñon.
1961
- Publica o romance A maçã no escuro. Recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara
Brasileira do Livro, por Laços de família.
1962
- Passa a assinar a coluna "Children's Corner", da seção "Sr. &
Cia.", onde publica contos e crônicas. Visita, com os filhos, seu ex-marido que se
encontra na Polônia. Recebe o prêmio Carmen Dolores Barbosa (oferecido pela senhora
paulistana de mesmo nome), por A maçã no escuro, considerado o melhor livro do
ano.
1963
- A convite, profere no XI Congresso Bienal do Instituto Internacional de Literatura
Ibero-Americana, realizado em Austin - Texas, conferência sobre o tema "Literatura
de vanguarda no Brasil. Conhece Gregory Rabassa, mais tarde tradutor para o inglês de A
maçã no escuro. A paixão segundo G. H. é escrito em poucos meses, sendo entregue
à Editora do Autor, de Sabino e Braga, para publicação. Compra um apartamento em
construção no bairro do Leme.
1964
- Publica o livro de contos A legião estrangeira e o romance A Paixão
Segundo G. H., ambos pela Editora do Autor. Em dezembro, o juiz profere a sentença
que poria fim ao processo de separação de Clarice e Maury.
1965
- Em maio, muda-se para o apartamento comprados em 1963. Sua obra passa a ser vista
com outros olhos — pela crítica e pelo público leitor — após A paixão
segundo G. H. Resultado de uma seleta de trechos de seus livros, adaptados por Fauzi
Arap, é encenada no Teatro Maison de France o espetáculo Perto do coração selvagem,
com José Wilker, Glauce Rocha e outros. Dedica-se à educação dos filhos e com a
saúde de Pedro, que apresenta um quadro de esquizofrenia, exigindo cuidados especiais.
Apesar de traduzida para diversos idiomas e da republicação de diversos livros, a
situação financeira de Clarice é muito difícil.
1966
- Na madrugada de 14 de setembro a escritora dorme com um cigarro aceso , provocando
um incêndio. Seu quarto ficou totalmente destruído. Com inúmeras queimaduras pelo
corpo, passou três dias sob o risco de morte — e dois meses hospitalizada. Quase tem
sua mão direita — a mais afetada — amputada pelos médicos. O acidente mudaria
em definitivo a vida de Clarice.
1967
- As inúmeras e profundas cicatrizes fazem com que a escritora caia em depressão,
apesar de todo o apoio recebido de seus amigos. Não foi só um ano de acontecimentos
ruins. Começa a publicar em agosto — a convite de Dines — crônicas no
"Jornal do Brasil", trabalho que mantém por seis anos. Lança o livro infantil O
mistério do coelho pensante, pela José Álvaro Editor. Em dezembro, passa a integrar
o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro.
1968
- Em maio, o livro O mistério do coelho pensante é agraciado com a
"Ordem do Calunga", concedido pela Campanha Nacional da Criança. Entrevista
personalidades para a revista "Manchete" na seção "Diálogos possíveis
com Clarice Lispector". Participa da manifestação contra a ditadura militar, em
junho, chamada "Passeata dos 100 mil". Morrem seus amigos e escritores Lúcio
Cardoso e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). É nomeada assistente de administração
do Estado. Profere palestras na Universidade Federal de Minas Gerais e na Livraria do
Estudante, em Belo Horizonte. Publica A mulher que matou os peixes, outro livro
infantil, ilustrado por Carlos Scliar.
1969
- Publica seu "hino ao amor": Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, pela
Editora Sabiá. O romance ganha o prêmio "Golfinho de Ouro", do Museu da Imagem
e do Som. Viaja à Bahia onde entrevista para a "Manchete" o escritor Jorge
Amado e os artistas Mário Cravo e Genaro. Em 14/08 é aposentada pelo INPS - Instituto
Nacional de Previdência Social. Seu filho Paulo, mora nos Estados Unidos desde janeiro,
num programa de intercâmbio cultural. Seu irmão Pedro, em tratamento psiquiátrico,
esteve internado por um mês, em junho.
1970
- Começa a escrever um novo romance, com o título provisório de Atrás do
pensamento: monólogo com a vida. Mais adiante, é chamado Objeto gritante. Foi
lançado com o título definitivo de Água viva. Conhece Olga Borelli, de que se
tornaria grande amiga.
1971
- Publica a coletânea de contos Felicidade clandestina,
volume que inclui O ovo e a galinha, escrito sob o impacto da morte do bandido
Mineirinho, assassinado pela polícia com treze tiros, no Rio de Janeiro. Há, também, um
conjunto de escritos em que rememora a infância em Recife. Encarrega o professor
Alexandre Severino da tradução, para o inglês, de Atrás do pensamento: monólogo
com a vida. Dez de seus contos já publicados constam de "Elenco de cronistas
modernos", lançado pela Editora Sabiá.
1972
- Retoma a revisão de Atrás do pensamento, com o qual não estava
satisfeita. Faz inúmeras alterações no texto e passa a chamá-lo Objeto gritante.
Repensando o romance, procura distrair-se. Durante um mês posa para o pintor Carlos
Scliar, em Cabo Frio (RJ).
1973
- Publica o romance Água viva, após três anos de elaboração, pela
Editora Artenova, que lançaria também, nesse ano, A imitação da rosa,
quinze contos já publicados anteriormente em outras coletâneas. Alberto Dines, em
carta à escritora, diz sobre Água viva: "[...] É menos um livro-carta e, muito
mais, um livro música. Acho que você escreveu uma sinfonia". Viaja à Europa
com a amiga Olga Borelli. Clarice deixa de colaborar com o "Jornal do
Brasil", face à demissão de Alberto Dines, no mês de dezembro.
1974
- Para manter seu nível de renda, aumenta sua atividade como tradutora. Verte, entre
outros, "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, adaptado para o público
juvenil, pela Ediouro. Publica, pela José Olympio Editora, outro livro infantil, A
vida íntima de Laura e dois livros de contos, pela Artenova: A via crucis do corpo
e Onde estivestes de noite. Uma curiosidade: a primeira edição de Onde
estivestes de noite foi recolhida porque foi colocado, erroneamente, um ponto de
interrogação no título. Seu cão, Ulisses, lhe morde o rosto, fazendo com que se
submeta a cirurgia plástica reparadora reparadora realizada por seu amigo Dr. Ivo
Pitanguy. Lê, em Brasília (DF), a convite da Fundação Cultural do Distrito
Federal, a conferência "Literatura de vanguarda no Brasil", que já apresentara
no Texas. Participa, em Cali — Colômbia, do IV Congresso da Nova Narrativa
Hispano-americana. Seu filho, Paulo, vai morar sozinho, em um apartamento próximo ao da
escritora. Pedro vai morar com o pai, em Montevidéu — Uruguai.
1975
- Tendo como companheira de viagem a amiga Olga Borelli, participa do I Congresso
Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. No dia de sua apresentação sente-se
indisposta e pede a alguém que leia o conto O ovo e a galinha, não apresentando a
fala sobre a magia que havia preparado para a introdução da leitura. Muito embora
minimizada, essa participação tem muito a ver com as palavras ditas por Otto Lara
Resende, conhecido escritor, em um bate-papo com José Castello: "Você deve tomar
cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria." Otto se baseava
em estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense que escreveu dois
livros sobre a biografada. Segundo ela, só é possível ler Clarice tomando seu
lugar — sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela
garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta
do mundo, onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso,
estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão
terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o
escritor." Traduz romances, como "Luzes acesas", de Bella Chagall,
"A rendeira", de Pascal Lainé, e livros policiais de Agatha Christie. Ao longo
da década, faz adaptações de obras de Julio Verne, Edgar Allan Poe, Walter Scott e Jack
London e Ibsen. Lança Visão do esplendor, com trabalhos já publicados na coluna
"Children's Corner", da revista "Senhor" e também no "Jornal do
Brasil". Publica De corpo inteiro, com algumas entrevistas que fizera
anteriormente para revistas cariocas. É muito elogiada quando visita Belo
Horizonte, fato que a deixa contrariada. Passa a dedicar-se à pintura. Morre, dia 28 de
novembro, seu grande amigo e compadre Erico Verissimo. Reúne trabalhos de Andréa Azulay
num volume artesanal ilustrado por Sérgio Mata, intitulado "Meus primeiros
contos". Andréa tinha, então, dez anos de idade.
1976
- Seu filho Paulo casa-se com Ilana Kauffmann. Participa, em Buenos Aires, Argentina,
da Segunda Exposición — Feria Internacional del Autor al Lector, onde recebe muitas
homenagens. É agraciada, em abril, com o prêmio concedido pela Fundação Cultural
do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra. Grava depoimento no Museu da Imagem e
do Som, no Rio de Janeiro, em outubro, conduzido por Affonso Romano de Sant'Anna, Marina
Colasanti e por João Salgueiro, diretor do MIS. Em maio, corre o boato de que a escritora
não mais receberia jornalistas. José Castello, biógrafo e escritor, nessa época
trabalhando no jornal "O Globo", mesmo assim telefona e consegue marcar
um encontro. Após muitas idas e vindas é recebido. Trava então o seguinte diálogo
com Clarice:
J.C. "— Por que você escreve?
C.L. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe
água?"
J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."
C.L. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também:
escrevo para me manter viva."
Enquanto escreve A hora da estrela com a a ajuda da amiga Olga, toma notas para o
novo romance, Um sopro de vida. Revê Recife e visita parentes. Em dezembro,
"Fatos e Fotos Gente", revista do grupo "Manchete", publica entrevista
feita com a artista Elke Maravilha, a primeira de uma série que se estenderia até
outubro de 1977.
1977
- A revista "Fatos e Fotos Gente" publica, em janeiro, entrevista feita pela
escritora com Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal. O jornal "Última
Hora" passa a publicar, a partir de fevereiro, semanalmente, as suas crônicas. Ainda
nesse mês, é entrevistada pelo jornalista Júlio Lerner para o programa "Panorama
Especial", TV Cultura de São Paulo, com o compromisso de só ser transmitida após a
sua morte. Escreve um livro para crianças, que seria publicado em 1978, sob o título Quase
de verdade. Escreve, ainda, doze histórias infantis para o calendário de 1978
da fábrica de brinquedos "Estrela", intitulado Como nasceram as estrelas. Vai
à França e retorna inesperadamente. Publica A hora da estrela, pela José
Olympio, com introdução — "O grito do silêncio" — de Eduardo
Portella. Esse livro seria adaptado para o cinema, em 1985, por Suzana Amaral. A editora
Ática lança nova edição de A legião estrangeira, com prefácio de Affonso
Romano de Sant'Anna. Clarice morre, no Rio, no dia 9 de dezembro de
1977, um dia antes do seu 57° aniversário vitimada por uma súbita obstrução
intestinal, de origem desconhecida que, depois, veio-se a saber, ter sido motivada por um
adenocarcinoma de ovário irreversível. O enterro aconteceu no Cemitério Comunal
Israelita, no bairro do Caju, no dia 11. Vai ao ar, pela TV Cultura, no dia 28/12, a
entrevista gravada em fevereiro desse ano.
1978
- Três livros póstumos são publicados: o romance Um sopro de vida —
Pulsações, pela Nova Fronteira, a partir de fragmentos em parte reunidos por Olga
Borelli; o de crônicas Para não esquecer, e o infantil, Quase de
verdade, em volume autônomo, pela Ática. Para não esquecer é composto de
crônicas que haviam sido publicadas na segunda parte do livro A legião estrangeira,
em 1964, que compunham a seção "Fundo de Gaveta" do citado livro. A hora da
estrela é agraciada com o prêmio Jabuti de "Melhor Romance". A paixão
sendo G. H. é publicada na França, com tradução de Claude Farny.
1979
- É publicado A bela e a fera, pela Nova Fronteira, contendo contos publicados
esparsamente em jornais e revistas. Estréia, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, Um
sopro de vida, baseado em livro de mesmo nome, com adaptação de Marilena Ansaldi e
direção de José Possi Neto.
1981
- "Clarice Lispector — Esboço para um retrato", de Olga Borelli, é
lançado pela Nova Fronteira.
1984
- Reunindo a quase totalidade de crônicas publicadas no Jornal do Brasil, no
período de 1967 a 1973, é lançado "A descoberta do mundo", organização de
Paulo Gurgel Valente, filho da autora. A Éditions des Femmes, da França, lança,
em sua coleção "La Bibliotèque des voix", fita cassete com trechos de La
passion selon G. H., lidos pela atríz Anouk Aimée.
1985
- A hora da estrela recebe dois prêmios na 36ª edição do Festival de
Berlim: da Confederação Internacional de Cineclubes — Cicae, e da Organização
Católica Internacional do Cinema e do Audiovisual — Ocic. O longa-metragem de mesmo
nome, dirigido por Suzana Amaral, com roteiro de Alfredo Oros também é premiado:
Marcélia Cartaxo recebe o Urso de Prata de "Melhor Atriz".
Outros acontecimentos
Os 10 anos da morte da escritora são lembrados com diversas homenagens em sua
memória. É aberto ao público o conjunto de documentos que viria a constituir o Arquivo Clarice
Lispector do Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB,
no Rio de Janeiro, constituído de documentos doados por Paulo Gurgel Valente.
Em 1990, a Francisco Alves Editora inicia a reedição da obra da escritora. A paixão
segundo G. H. é encenada na capital francesa, no teatro Gérard Philippe, em montagem
de Alain Neddam. Diane E. Marting, em 1993, publica "Clarice Lispector. A
Bio-Bibliography", pela Westport: Greenwood Press, nos Estados Unidos. Em 1996, é
lançada a antologia "Os melhores contos de Clarice Lispector", pela editora
Global.
Estréia no Rio de Janeiro "Clarice — Coração selvagem", adaptado e
dirigido por Maria Lúcia Lima, com Aracy Balabanian, em 1998.
No ano seguinte, "Que mistérios tem Clarice", adaptado por Luiz Arthur Nunes e
Mário Piragibe estréia no teatro N. E. X. T.
Fernando Sabino, em 2001, organiza e publica, pela Record, "Cartas perto do
coração", contendo correspondência que manteve com a escritora de 1946 a 1969.
A editora Rocco lança, em 2002, "Correspondências — Clarice Lispector",
antologia de cartas de e para a escritora, seleção de Teresa Montero.
No aniversário de Clarice, 10/12/2002, a Embaixada do Brasil na Ucrânia e a
Prefeitura de Tchetchelnik se associam em homenagem à memória da escritora, inaugurando
uma placa com dados biográficos gravados em russo e em português, que é afixada
na entrada da sede da administração municipal.
Em 2004, os manuscritos de A hora da estrela e parte dos livros que pertenciam
à biblioteca pessoal de Clarice Lispector são confiadas por Paulo Gurgel Valente
à guarda do Instituto Moreira Salles, que lança, em dezembro, edição especial dos
"Cadernos de Literatura Brasileira", dedicada à vida e à obra da autora.
Em artigo publicado no jornal "The New York Times", no dia 11/03/2005, a
escritora foi descrita como o equivalente de Kafka na literatura latino-americana. A
afirmação foi feita por Gregory Rabassa, tradutor para o inglês de Jorge Amado, Gabriel
García Márquez, Mario Vargas Llosa e de Clarice. No dia 13/01, foi discutido o
viés judaico na obra da autora no Centro de História Judaica em Nova York.
O Consulado-Geral do Brasil em Córdoba - Argentina, participou, em 2007, de
homenagem, dos alunos do 6º ano do nível médio, à escritora Clarice Lispector. O fato
mereceu destaque na página de divulgação de eventos culturais do Ministério das
Relações Exteriores. Naquela cidade encontram-se 47 escolas que ensinam a Língua
Portuguesa e aspectos da cultura e literatura brasileira. O Consulado-Geral também conta
com uma pequena biblioteca, que atende ao público interessado nesses assuntos, embora
não haja ali nenhuma obra da citada escritora. No entanto, têm sido publicadas, nos
últimos tempos, notas sobre a vida e a obra de Clarice Lispector, na imprensa local.
Fonte: http://www.releituras.com